Os cabelos da pastora

Há histórias demasiado boas para não serem verdade. Como esta. Passou-se há muito tempo. Décadas. Ela era uma menina que os pais não deixaram ir à escola. Os caminhos eram de cabras e ela a única rapariga entre macholice de rapazes até à aldeia mais próxima. Aprender as letras não convenciam nenhum pai com juízo a ter menos cautelas.  Entre pinheiros e montes restava-lhe pouco mais do que inventar e pastar vacas, duas actividades mais do que compatíveis.

Contava ela, a menina, muitos anos depois, que num dia de muita chuva, tanta que nem as copas dos pinheiros seguravam a água, ela ficou ensopada. Os cabelos compridos escorriam, o vestido colou-se-lhe e ela desatou a chorar, um choro abafado, envergonhado, de humilhação e não saber o que fazer. Sentou-se na sama molhada, o cajado que segurava n mão a servir de apoio ao rosto. “Estava com a alminha em sangue, até que uma vaca, muito minha amiga, começou a secar-me o cabelo com a língua.”

Ela contava e eu ouvia, encantamento de Grimm. Nem ele. “A língua dela massajava-me a cabeça e foi-me aquecendo.” Ela contava e eu fixa, a imaginar o verde do campo, o castanho da terra, um vestido que para mim sempre foi às fores em fundo azul. “E eu fui-me acalmando, até adormecer. Quando acordei estava sol. A vaca estava deitada a meu lado, e o meu cabelo em caracóis que pareciam bolas de sabão.”

Ela contava e eu via-a, em arco-íris, a seguir com as vacas atrás, o cajado a indicar-lhe o caminho até à casa de telhado vermelho, no meio de uma clareira com cogumelos. Era assim, dizia, a casa onde vivia.

No dia seguinte estava de cama, o cabelo caiu e o que nasceu foi aos caracóis por causa da baba da vaca que a secou. Por isso as ondas que ainda tem nos cabelos negros que prende atrás num coque.

Há belezas que têm explicações simples. Puramente verdadeiras.

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